Marcelo Kenji Miki

A Problemática dos Lodos: Não há Solução Mágica!!!

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Publicado em: Jornal da AESABESP, Ano 19, nº 99, maio/junho de 2005,  pág. 06

É muito comum no Brasil as pessoas esperarem por uma “solução mágica” na vida e depositam suas esperanças em sonhos, como ganhar na Mega-Sena, a vinda de um “Presidente Salvador da Pátria”, a elaboração de um Plano Econômico mirabolante etc.

A situação do Saneamento Básico do Brasil não é diferente e sempre houve muita propaganda em cima de “soluções mágicas”.  

A sedução das “soluções mágicas” tem a sua semente lançada num terreno propício de ser germinado, chamado desespero.

Em situações de desespero, as capacidades racionais das pessoas entram em estado de latência e qualquer coisa vale para se sair de uma situação desesperadora. Quando a situação de desespero é de certa forma abatida com o passar do tempo, podemos checar o ridículo das alternativas tomadas.

Na palestra de abertura do XV Encontro Técnico da AESABESP, o Jornalista Luís Nassif lembrou-nos que o trabalho dos políticos é administrar pressões. Sendo assim, caberia justamente à comunidade técnica da SABESP a tarefa de se exercer pressões de modo a suscitar uma discussão produtiva de assuntos problemáticos. E uma destas questões técnicas é justamente o problema dos lodos de ETAs e ETEs.

Este “empurrar com a barriga” de um grave problema ambiental pode ser explicado por um hábito muito ruim em nossa companhia, que é: “Quando o Provisório vira Eterno”. É comum a adoção de soluções do tipo “gambiarra”, pois as condições impostas levaram aquela solução. Por exemplo, na solução do problema de gosto e odor na água, pode-se adotar provisoriamente a construção de um “barracão” de estoque de carvão ativado. Ou ainda, muitas vezes um escritório de um canteiro de obras pode se tornar um escritório de serviço regional. Uma linha de dosagem de coagulantes numa ETA pode estar danificada e de maneira provisória pode-se adaptar uma tubulação pendurada em arames.

Estas soluções provisórias acabam se tornando eternas por darem respostas naquele momento específico e naquelas condições de recursos. A atual solução de lodo das ETEs da RMSP é uma solução provisória que se tornou eterna, cujo acordo com a Prefeitura do Município de São Paulo é efetuar uma troca de lodo gerado nas ETEs por chorume gerado nos aterros.

O que queremos debater não é discutir se esta solução provisória é inadequada ou não. O que queremos discutir é a falta de uma gestão ambiental na companhia, o que leva a SABESP a arrastar os problemas e não enfrentar de modo pragmático.

Um outro grave problema na companhia refere-se ao lodo de lagoas de estabilização. Para se resolver este passivo ambiental deve-se recorrer a uma soma de recursos muito alta, pois já há domínio técnico das tecnologias de remoção, tratamento e disposição final. O que falta é dinheiro e vontade para equacionar a resolução deste problema. A visão de que um sistema de lagoa de estabilização para tratamento de esgotos é uma alternativa econômica devido ao baixíssimo custo operacional é errônea quando se adota a visão ambiental do tempo de ciclo de vida de um resíduo. Nesta abordagem ambiental, checa-se o ciclo completo de um resíduo do “berço” ao “túmulo”, ou seja, da origem ao destino final. Num sistema de lagoas de estabilização, a questão do lodo é relegada como de baixíssima prioridade e só é lembrada quando o sistema já totalmente assoreado.

Um agravante na tomada de decisões gerenciais relativa ao lodo na companhia refere-se a confundir estudos de pesquisa e desenvolvimento com alternativas técnicas. Na escolha de uma alternativa técnica, devemos recorrer às soluções devidamente equacionadas nos quesitos técnicos e legais. Ou seja, soluções consolidadas. Muitas vezes os impeditivos podem ser de ordem legal, pois não há normas ou leis que regulamentem determinada questão. Por exemplo, apesar da incorporação de lodo de ETA na cerâmica mostrar-se viável em termos técnicos e ambientais, a sua adoção pode não ser possível devido a uma alegação do órgão ambiental de que tal prática não está prevista em lei. Ou seja, planejar em cima de estudos é imprudente, pois não há muitas lacunas a serem preenchidas.

Atualmente uma das únicas soluções imediatas para a resolução de lodos de ETAs e de ETEs é a disposição final em aterros sanitários. Isto não quer dizer que concordemos com tal alternativa. Isto significa que de imediato, a solução para este problema é se adotar esta disposição final e em paralelo estudar alternativas que atendam os princípios da produção mais limpa, onde um dos princípios é a reciclagem de resíduos.

Esta abordagem não permite que se “empurre com a barriga” a problemática dos lodos sob o aspecto técnico. A desculpa de que se deve estudar alternativas mais econômicas em relação ao aterro sanitário só prolonga o tempo de adoção destas alternativas. Falar que se devem pesquisar alternativas equivale a dizer que estamos deixando a resolução deste problema para as gerações futuras.

A abordagem do aterro sanitário só valoriza e incentiva o direcionamento de verbas para a pesquisa e desenvolvimento de forma a encontrar soluções mais econômicas e mais vantajosas para o meio ambiente.

Esta é a abordagem adotada na gestão do lodo da ETA Cubatão. Atualmente o lodo é disposto em aterro particular e em paralelo buscam-se alternativas de disposição final, sendo uma delas a incorporação na indústria cerâmica.

A segunda alternativa disponível de disposição final de lodos de ETEs é o uso agrícola, pois toda a discussão legal está em fase de transição nas Câmaras Técnicas do CONAMA e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Nesta transição, corre-se o risco de não se ter os registros e projetos agrícolas aprovados devido a desculpa dos órgãos responsáveis pelas autorizações em dizer que só se manifestarão após a aprovação destas novas leis e regulamentos. O uso agrícola de lodo ainda corre o risco de não ser mais uma solução consolidada devido a uma série de questionamentos ambientais. Para se ter uma idéia clara do que estamos discutindo, já houve pressões nestas câmaras técnicas de legislação ambiental para a extinção da utilização agrícola do lodo de classe B. Isto implicaria na utilização de tecnologias de tratamento do lodo bem mais caras, como por exemplo, a secagem térmica.

Uma conclusão que está ficando mais clara é de que os custos operacionais e de investimento para se solucionar estes problemas de lodos são muito altos. Tratar e dispor o lodo dá muitíssimo mais trabalho que tratar água ou tratar esgoto.

Assim chegamos na terrível encruzilhada: como fazer todo o trabalho de tratamento e disposição final de lodo com baixíssimos recursos financeiros e de mão de obra? Resposta: esta solução não existe. Não há Solução Mágica!!!. Qualquer solução técnica e ambiental é mais cara que jogar o lodo de volta ao rio. Esta premissa, terrivelmente óbvia, é esquecida, pois se busca uma solução mágica que evapore todo o lodo e ainda se gere dinheiro com isto.

Mais uma vez devemos alertar que o problema da disposição final de lodos pode ser desviado de sua solução e colocar-se como desculpa a velha desculpa de que é necessário uma “pesquisa” para se resolver este problema. Em termos pragmáticos já sabemos quais são as alternativas. Quando se chega a qualquer solução técnica que consome recursos de investimento e operacionais (que muitos não querem ouvir) desvia-se para o foco da atenção para a busca de novas pesquisas, postergando a solução do problema e efetivamente não se faz nada. Chega-se na rápida conclusão de esta solução é cara, mas não se responde a seguinte questão: quanto se quer gastar por tonelada de lodo para se resolver esta questão? Esta pergunta nunca é efetivamente lançada para discussão e impressão que se tem é que efetivamente não se quer gastar nada com o problema do lodo de lagoa, ou seja, deseja-se a solução mágica.

Para deixar as coisas mais claras, não se quer denegrir o trabalho de pesquisa. O que se quer alertar é que a pesquisa pode ser utilizada apenas com o fim de se dar uma resposta politicamente correta para este problema. Entendemos que a resolução deste problema não pode ser feita esperando-se uma solução mágica que um dia surja, fruto de uma pesquisa. O que está faltando é uma gestão ambiental que “costure” questões importantes como planejamento técnico, previsão de orçamento, licenciamento ambiental etc.

Ou seja, a velha desculpa de que são necessárias novas pesquisas e novos estudos pode até caber nas conclusões de um trabalho de mestrado e/ou doutorado. Mas não cabe mais quando se trata da questão de disposição final de lodos de ETAs e ETEs.

Marcelo Miki, Junho de 2005